Je Vous Salue, Marie.
"A terra e o sexo estão em nós.
Fora, não há nada mais que estrelas.
Querer não é deitar-se pela força,
a não ser derrubar-se cada vez mais para dentro,
passo a passo, até a eternidade."
Em “Eu Vos Saúdo, Maria” longa-metragem de Godard produzido em 1985, temos uma versão moderna
da história bíblica de Maria, mãe de Jesus. O filme foi proibido no Brasil e
outros países no período dos anos 80. Há várias situações emaranhadas neste
longa. No começo de tudo temos uma pequena Marie inocente de uns 12 anos, que
enfrenta o drama da separação dos pais. Depois temos outra Marie, uma jovem
estudante que joga basquete e se descobre grávida, o que perturba seu affair com José, que acredita que ela o traiu, já que os dois nunca tiveram relações e
Marie se diz virgem. Ao mesmo tempo Eva, começa um caso com seu professor
casado, um homem que acredita que a vida na terra veio de extraterrestres.
O longa inteiro é permeado daquela bela característica de
Godard, voz em off, imagens soltas. Possuí filtro suave e limpo. Enquadramentos
perfeitos, com seu exímio senso de estética e Big closes maravilhosamente
executados, como pinturas. Foco nos pés, pernas e chão ou em mãos que tocam o
sexo. De todo o filme, devo admitir, a direção e fotografia, em minha opinião
impecáveis, salvam o roteiro. Isso porque a ideia foi um tanto mal executada,
mas no fim, me agradou do mesmo jeito.
Todo o filme é envolto por esta atmosfera religiosa e ao
mesmo tempo questionadora, sobre a origem da vida. Temos o foco principal em
Marie, mas também existem as cenas em que o tal professor aponta suas ideias
científicas opositoras. E tudo acontece como em uma dança, mas uma dança difícil
de acompanhar, só nos é permitido assistir, sem direito a respostas, sem saber
para onde se foi, para onde se está indo, onde pararemos. Marie pensa que é a
alma que tem corpo e não o corpo que tem alma. Se sente uma alma aprisionada em
um corpo. Mas ao mesmo tempo o físico lhe atraí profundamente, por conta de sua
natureza humana, então ela luta para manter sua castidade divina e não se
perder na carne. São noites de insônia e devaneios, monólogos internos, onde odeia
as regras de Deus, mas também não se atreve a contrariá-las.
“Deus é um vampiro que me fez sofrer nele, porque eu sofri e
ele não, e ele lucrou com a minha dor.”
Visualmente tudo é tão bonito, imagens do mar calmo ou
revolto, o gramado, as árvores, a lua e o sol que aparecem em foco
frequentemente. Na trilha sonora temos Bach e outros instrumentais.
Em quase todo o momento aparece a tela negra com os dizeres “Naquele
Tempo” e isso causa um caos, porque não sabemos ao certo quando é passado,
presente e futuro. Tudo ocorre em uma aura de tempo abolido.
O longa em sua época foi polêmico e muito censurado, mas na
verdade, a iconoclastia presente nele é muito disfarçada, então no fim, Godard não
deixa realmente explícita alguma ideia de forte oposição, ele apenas parece
afirmar a humanidade de Maria, o que é claro, contribuiu para seu péssimo recebimento
pelas classes que se agarram a paradigmas e dogmas, porém toda a situação
presente é calada, fragmentada e complexa, deixando cada espectador optar por
sua própria versão.
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