"O Mar, O Mar" - Iris Murdoch
"The Monk by the Sea", Caspar David Friedrich.
Iris é de Dublin, na Irlanda,
nascida em 1919. Era filósofa e tinha ligações com o Partido Comunista
Britânico. Estudou em Oxford e chegou até mesmo a trabalhar com serviço social
da ONU, na Bélgica.
“Foi como filósofa que Iris
Murdoch escreveu seu primeiro livro, um ensaio sobre Sartre, no qual rejeitava
a ideia de subjetivismo que faz parte do existencialismo sartreano. A ideia de objetividade ,aliás, seria o tema
central de seus futuros romances. Conforme comentou o crítico Rubin Rabinowics,
Iris Murdoch tem uma visão extremamente objetiva do mundo. Para ela, a ideia de
amor está na supressão da subjetividade: é através do reconhecimento da
existência objetiva que o amor começa, enquanto a excessiva auto-análise pode
terminar na total preocupação consigo mesmo.”
Madame Murdoch chegou até mesmo a
ter sua biografia ilustrada no campo cinematográfico, com o filme “Iris” dirigido
por Richard Eyre, em 2001. Com Kate Winslet interpretando a jovem Iris e a
majestosa Judi Dench no papel de Murdoch mais velha.
Hoje a pauta é “O Mar, O Mar”, um
de seus mais lindos livros, que lhe rendeu em 1978, o prêmio de melhor romance
do ano.
“Não desperdicemos o amor, ele é
tão raro. Não podemos, por fim, amar-nos em liberdade, sem a horrível sede de
posse, sem violência nem medo? O que importa é amar, não estar ‘apaixonado’.
Não deixemos que haja mais despedidas. Que haja paz entre nós para sempre, não
somos mais jovens.”
A história é centrada em Charles
Arrowby, um ex-diretor famoso de teatro que decide isolar-se e morar no litoral
da Inglaterra, em uma casa antiga chamada “Shruff End”, que pertencia a velha
Sra. Chorney. Sozinho Charles aprecia o mar em frente a sua casa todos os dias.
Encanta-se com suas muitas nuances de cor e com a lentidão ou brutalidade das
ondas. Começa então a escrever um livro autobiográfico e assim ao decorrer da
história, vamos conhecendo um pouco de cada vez sobre seu passado no teatro,
suas muitas amantes atrizes e sobre todo aquele seu velho mundo. De início o
livro tem desenvolver vagaroso, focando na relação de Charles com sua casa, os
arredores da cidade e sua tão amada culinária. Mas tudo ganha força quando
Arrowby descobre que seu primeiro grande amor se encontra residindo esta mesma
cidadezinha. É então que começa sua obsessão por uma Hartley já idosa e com
olhos cansados, que aliás, é casada ainda com o mesmo homem pelo qual abandonou
Charles.
A atmosfera torna-se agitada tal
como o mar à noite e personagens da vida passada de Charles começam a visita-lo
na casa. Tudo vira uma bagunça emocional de passado e presente, cada personagem
com um específico sentimento em relação ao protagonista, seja de ódio, amor,
ressentimento, amizade. E é um caos tão bem montado. Um caos contraditório que
se move através de pandemônios calados que depois acabam gritando. Iris nos
pinta um ambiente acolhedor e muito intimista, nos fazendo sentir
verdadeiramente todas as coisas, a pontada aguda dentro de cada personagem, o
amor imbuído, a fraternidade, a mágoa, o tempo passando e passando, loucura e
placidez. A beleza notória com que descreve o mar e as forças da natureza nos
paralisa. Uma escrita simples, poética e muito inteligente.
Como costumo apelidar certos
livros únicos que cruzam o meu caminho “O Mar, O Mar”, é um livro-vida.
Daqueles em que os sentimentos humanos são abordados de maneira sublime e com
um fundo filosófico que nos acrescenta muito. Com 520 páginas, é um livro sem
pontos soltos, para guardar dentro de si e querer reler anos mais tarde para
imitar a sensação de estar revivendo todas aquelas palavras como se fosse a
primeira vez.
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