O livro do Riso e do Esquecimento, Kundera
“...Foi então que compreendi a significação mágica do
círculo. Quando nos afastamos da fila, ainda podemos voltar a ela. A fila é uma
formação aberta. Mas o círculo torna-se a fechar e nós o deixamos sem retorno.
Não é por acaso que os planetas se movem em círculo e que a pedra que se
desprende de um deles afasta-se inexoravelmente, levada pela força centrífuga.
Semelhante ao meteorito arrancado de um planeta, eu saí do círculo e, até hoje,
não parei de cair. Existem pessoas a quem é dado morrer no turbilhão e existem
outras que se arrebentam no fim da queda. E estes outros (entre os quais estou)
guardam sempre consigo uma tímida nostalgia da roda perdida, porque somos todos
habitantes de um universo onde todas as coisas giram em círculo.”
Milan Kundera é um brilhante escritor tcheco que tem sempre presentes
em sua obra temas políticos, filosóficos e psicoanalíticos. É o senhor dilúvio
no que se referem à alma, suas indagações e métodos de respostas. Seu livro mais ilustre tem o título de “A Insustentável leveza do Ser” e foi adaptado para o cinema
pelo diretor Philip Kaufman em 1988, também diretor de “Henry and June”. Apesar
de o filme ter tido sucesso, Kundera nunca mais autorizou nenhuma adaptação
cinematográfica de suas obras.
“O livro do Riso e do Esquecimento” foi publicado em 1979, período ao qual o autor já
havia se exilado na França. Foi escrito
antes do épico “A insustentável leveza
do ser” , e nele já nota-se o prelúdio sobre a natureza conceitual do peso e da
leveza. Surpreendi-me ao começar a ler por perceber que se tratava na verdade de
uma obra composta por contos, mas distribuídos de uma maneira diferente a qual
as histórias nunca terminam em uma única parte, são todas fragmentadas e se
ligando umas nas outras de alguma maneira. O livro é feito de tratados
políticos sobre Praga, elucidações sobre o que é o riso e sua participação
dentro do homem e dentro da vida, a face do esquecimento que se abate sobre a
história e também mais ainda sobre os seres humanos que sofrem com este
terrível medo que é a aceitação do esquecimento, de que a vida passa e as
memórias cada vez mais se liquefazem diante de nós, tornando difícil o nosso
desejo desesperado de mantê-las.
A minha surpresa boa foi encontrar partes autobiográficas de
Kundera, em um tom acolhedor e intimista ele nos conta como foram alguns de seus
últimos momentos com seu pai, tudo que emanava de uma figura que estava
apagando-se na frente dele e o que ele sentia envolvido nesta aura melancólica.
Foi muito bonito ter finalmente um pouco de primeira pessoa quando se trata de
um gênio que admiro como Kundera. Sempre existe uma curiosidade acerca de autores
insólitos que escrevem em posição de narrador, deixando sua face, sua vida e
seu drama ocultos, onde se limitam apenas em contar a história, sendo então
homens ou mulheres de máscaras, que existem e ao mesmo tempo não existem. Mesmo
sabendo da probabilidade de os acontecimentos e personagens serem parte da vida
do autor, ainda sim ele nos é um estranho quando se propõe em só narrar os
fatos. Então, digo que foi um prazer ter um pouco de Kundera falando sobre si.
Nos cegamos frente à luminosidade de todas as palavras deste
livro. Mas é uma cegueira distinta. É apenas uma cegueira relativa ao desmaiar
das pálpebras. Trata-se de um fechar de olhos e continuar acordado, mais
acordado ainda do que antes. Não somos autorizados a saber onde começa e
termina a imersão, apenas nos envolvemos, sendo agraciados com respostas que
são como água para nossas almas sedentas. Há sempre um conteúdo que podemos tomar
para nós. Resumimos este livro em: Passado, fuga, ilusão, verdade,
consequência, banal, fantástico, história, memória, riso e vida.
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