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O Gato Fantasma do Lago Otama, 1960

16:00 Igor Damásio 0 Comentários Categoria :



A cultura nipônica é um mar aberto para narrativas lúgubres. Em O Gato Fantasma do Lago Otamo, produzido em 1960, temos uma história embasada em uma antiga crença que faz parte do folclore japonês no qual se acredita que quando uma pessoa morre, geralmente com um ódio entalado na garganta, uma maldição germina no local da morte, abominando e aniquilando qualquer um que entre em contato com o mesmo. Diferentemente do mundo ocidental, nos deparamos com uma outra forma de visualizar o sobrenatural, uma forma bastante peculiar. O longa-metragem de Yoshihiro Ishikawa não só tem como finalidade nos apresentar um pouquinho da fascinante cultura nipônica e suas lendas, mas sim de remontar o período Edo, que se arrastou por anos e teve seu fim com a entrada da era Meiji, 1868, caracterizado pelo sistema feudal e sua política anti-ocidental.

Tadahiko e Keiko são amantes que estão à beira de consumar o desejo de permanecerem juntos até quando o "para sempre" durar. À caminho da casa dos pais da moça, ambos acabam se perdendo próximos à um lago rodeado por um espesso nevoeiro; uma fina camada vermelho-sangue cobre uma ponta da superfície do lago. Desnorteados feito dois cabras-cegas, o terno casal tenta procurar uma maneira de sair de lá e chegar, antes do anoitecer, em seu destino. Mas algo de muito estranho parece acontecer: como se estivessem andando em círculos, Tadahiko e Keiko acabam voltando para o mesmo lago, onde a atmosfera agora está ainda mais lúgubre e assustadora demais para a frágil Keiko suportar; os ramos balouçam violentamente, o vento sopra de maneira sepulcral, enquanto o relâmpago, com sua tonalidade praxe, incide sobre eles. Tadahiko avista um gato preto e logo flerta com a lógica de que pode haver uma casa por perto, se há um animal doméstico por perto, ao menos um local onde eles possam passar a esdrúxula noite; Keiko, amedrontada até o último nervo, teme o gato preto. Não deseja ir no início, mas logo é puxada pelos braços nem tão fortes de Tadahiko.

O casal acaba encontrando uma casa abandonada. Notando que não há ninguém no local, Tadahiko decide olhar os fundos enquanto Keiko fica sentada na porta da frente o esperando com o coração na mão. Abrupta e minunciosamente, Keiko é acometida por um ruído - ao olhar para trás, o tal ruído é a porta se abrindo e, dentro da casa, uma velhinha, envolta por uma aura verde que a fita com os olhos cruéis. A jovem se assusta e, desesperada, corre. Tadahiko, ao encontrá-la, leva-a para dentro da casa, onde um pesadelo assustador acomete Keiko enquanto desacordada: Ao caminhar sobre a casa vazia e silenciosa e abrir uma porta, a mesma velhinha a fita. Quando ela tenta escapar, a senhora a manipula feito marionete com os dedos enrugados contorcidos. Ao acordar do sórdido pesadelo noturno adoentada e atormentada, Tadahiko a leva à casa do sacerdote.

O velho sacerdote diz à Tadahiko que Keiko está amaldiçoada pela "maldição do gato." A partir de então, a narrativa transmuta para um longo flash-back contando-nos sobre os antepassados de Keiko do período Edo: Yachimaru era um jovem guerreiro apaixonado por uma moça chamada Kozasa, mas os conflitos entre ambas as famílias eram como uma parede intransponível entre eles. Quando Yachimaru parte para a cidade, Gensai, pai de Kozasa, determinado a fazer com que a filha esqueça de vez o rapaz, a obriga se casar com um moço chamado Gorota. No meio tempo em que Yachimaru encontra-se na cidade, seu pai, a mando dos aldeões, vai ao magistrado pedir para que o mesmo diminua os impostos; mesmo sabendo que o magistrado é controlado pelo Gensai, ele tenta, mas em vão. Como se não bastasse, o magistrado ateia fogo em sua casa, a invade, mata sua filha e sua mãe; ao travar uma batalha com o grupo, ele morre no lago - a única sobrevivente é Tama, a gata. Ao retornar da capital, Yachimaru descobre que o magistrado matou sua família e acaba morto pelo mesmo, da mesma forma que o pai.

Dias depois, os mais estranhos acontecimentos cercam a pequena cidadezinha e as desgraças começam a acontecer nas famílias dos habitantes; o caos senta-se em sua poltrona e manipula os seres que, como marionetes sem cordas, começam a desgraçar a si mesmos. Kozasa fica louca; Gensai mata a mulher e a concubina; o chefe do magistrado mata o marido aporrinhante de Kozasa. A gata, nas noites mais soturnas e onde não há ninguém para assistir, é um bicho papão que se alimenta de tudo aquilo que avista; numa só noite, os assassinos são atirados no lago onde de maneira injusta mataram os guerreiros. Flash-back termina com o bicho papão tornando-se a gata Tama e morrendo. Tadahiko consegue terminar com a maldição dando um enterro digno à gata Tama, cujos ossos nunca puderam se decompor devido a terrível fúria da vingança. O casal consegue libertar-se e dirigir-se para casa dos pais de Keiko, livre das amarras da maldição que cerca o lago Otama.

Assumindo a responsabilidade de nos contar a origem de uma maldição moldada por um rancor que perdurou séculos, Yoshihiro Ishikawa apresenta um certo tipo de pesadelo noturno que nos faz acordar no meio da noite e não nos deixar mais dormir; furtivo até mesmo na fotografia, onírica, presentes sempre o vermelho-sangue para representar o fogo, sangue e violência e o verde radioativo para a aura dos mortos, O Gato Fantasma do Lago Otama não é lá um longa-metragem facilmente esquecível e, diga-se de passagem, é uma obra prima do terror oriental.

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