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Carta de uma cerejeira amarela em flor, Kawase.

14:41 Unknown 0 Comentários Categoria :


Naomi Kawase é uma cineasta japonesa que está em atividade desde o final dos anos 80. Seu cinema possui traços vanguardistas, e sua narrativa distorce o espaço entre a ficção e a não ficção. Seus primeiros trabalhos são em uma linha realista e autobiográfica. Poderíamos chamá-los de documentários, se ela não odiasse este termo. Presente neste longa, ela mesma pontua que prefere o termo “Memória”, porque a palavra documentário tem entonação de passado, algo antigo, muito velho. E ela afirma que já a memória é como algo que se pode ter para sempre.

O longa é sobre Nishii Kazuo, um renomado crítico de fotografia e editor-chefe de uma revista importante no Japão. O projeto nasceu quando o mesmo realizou uma ligação para Kawase pedindo que ela filmasse seus últimos tempos de vida, já que estava fadado a morrer em cerca de 2 meses. O pedido fixou-se na mente de Kawase, de maneira que ela sentiu um senso de dever em realizar tal feito. Então ela começa a visitar o Sr. Nishii no hospital, filmando seus derradeiros suspiros.

“Meu destino é cair como uma flor de cerejeira.” 

Este é o bonito haikai que saí instantaneamente da cabeça de Nishii quando Kawase pede a ele para compor um, logo no começo do filme. Ele é uma figura melancólica, com olhos cheios de uma essência calma e chorosa, com uma aura transparente ao seu redor. Investigamos sua ausência de expressões faciais e sua maneira de olhar, para descobrirmos quem terá sido ele. Ao começarmos a assistir imaginamos que todos os segredos de sua vida serão desvendados e que ficaremos muito próximos a ele. Isso não acontece. O que acontece relativo a proximidade é apenas a empatia que sentimos. E o espaço que sobra dá lugar a observação e a imaginação de que segredos ele poderia ter, de que espécie de vida ele teria vivido. Ficamos sabendo bem pouco. Mas o pouco que sabemos pelas ínfimas pistas que ele dá, é de que se sente como tendo sido um homem comum, pontuando até em um dado momento que ele teria sido uma nulidade como homem, que desejava ter sido aventureiro. No decorrer do longa, Kawase e ele conversam sobre o sentido da vida ou a ausência de sentido, e sobre a arte também. O que seria a fotografia para ele e o que seria o cinema para ela. Sr. Nishii é o personagem real de um retrato intimista sobre vacuidade que se mescla ao medo e fina dor de saber que se vai morrer. Em alguns momentos ele está a contemplar o nada e uma lágrima vagarosa escorre como uma pequena gota de chuva em um vidro. Ficamos a imaginar o que se passa em sua mente quando ele está envolto em seus pequenos ou longos silêncios.

A fotografia é “suja” e simplista, o que torna tudo inocente e advoga a veracidade poética da obra. Kawase filma o quarto do hospital, o doente enquanto dorme, seus lençóis, o criado mudo com fotografias. A janela, as árvores, as paredes brancas, uma tv, os vasos de flores no chão. É tudo verdadeiro, suave como o olhar humano. Um estudo breve sobre duas naturezas. A natureza de Gaia e a natureza da morte. Como sempre, os orientais com esta beleza única de comparar os fenômenos da vida com os fenômenos da natureza. E isto se configura nas conversas de Nishii e Kawase, e também nas delicadas imagens das árvores do Hospital.


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