Anne Sexton: 45 Mercy Street
45 Mercy Street, Rua da Misericórdia, é um poema escrito por Anne Sexton que resultou num espetáculo teatral homônimo em 1969, produzido e escrito pela mesma. O poema encontra-se em 45 Mercy Street, segunda antologia póstuma publicada em 1975 e resultou em uma belíssima canção cantada por Peter Gabriel - encontra-se no álbum So, que teve seu lançamento em 1986.
Anne Sexton lutou toda a sua vida contra a psicose maníaco-depressiva, atualmente conhecida como transtorno bipolar, assim como a brilhante poetisa e amiga pessoal de Anne, Sylvia Plath. Ambas foram vencidas sobre o mal tão doce feito uma droga, que, ao mesmo tempo que alimentavam seus poemas extremamente confessionais, as arrastava para dentro de um casulo coberto de cianeto. Com 45 anos e no auge de sua carreira como poetisa e escritora de livros infantis, Anne Sexton, após um almoço com sua amiga, Maxine Kumin, vestiu o casaco de sua mãe, trancou-se na garagem, ligou o motor do carro e cometeu suicídio, inalando monóxido de carbono.
Neste poema, Anne fala sobre estar perdida, perambulando por todos os cantos querendo encontrar o seu lar; encontrar seu lar pode ser uma metáfora para encontrar a paz encontrando a si mesma. Memórias e memórias permeiam poema; o relacionamento com os pais, que nem sempre foi uma rio com pétalas de rosa; Nana, uma fonte de carinho com quem Anne sempre foi muito apegada e até mesmo suas filhas. Muitas vezes ela solta umas metáforas agonizantes que nos soca a boca do estômago - um poema-porrada, como gosto de chamar.
Rua da Misericórdia
Em meu sonho,
furando dentro da medula
de todo o meu osso,
meu sonho real,
eu perambulava pela Beacon Hill
procurando uma placa de rua –
chamada Mercy Street.
Não era lá.
Eu tentei a Back Bay.
Não era lá.
Não era lá.
E ainda sabia o número.
Rua Mercy, 45.
Eu conhecia a janela de vidro manchado
da sala-de-estar,
os três níveis da casa
com os andares de pisos de madeira.
Eu conhecia os móveis e
a mãe, a avó, a bisavó,
os criados.
Eu conhecia o armário de Spode
o barco de gelo, a prata sólida,
onde a manteiga repousa em asseados tabuleiros
iguais a estranhos dentes de gigante
em uma grande mesa de mogno.
Eu conhecia bem.
Não era lá.
Para onde você foi?
Rua Mercy, 45,
com a bisavó
ajoelhada em seu corpete de osso-de-baleia
e rezando gentilmente mas fervorosamente
para lavar bacias,
às cinco da manhã
ao meio-dia
cochilando em sua cadeira-de-balanço,
o avô tirando um cochilo na copa,
a avó empurrando a sineta para a criada escada abaixo,
e Nana balançando Mãe com uma flor exagerada
em sua testa a cobrir os cachos (do cabelo)
de quando ela era boa e quando ela era...
E onde ela foi gerada e numa geração
o(a) terceiro(a) que ela vai gerar,
eu,
com a semente do estranho florescendo
numa flor chamada Horrenda.
Eu caminho num vestido amarelo
e um livro de bolso branco estufado com cigarros,
bastante pílulas, minha carteira, minhas chaves,
e sendo vinte e oito, ou era quarenta e cinco?
Eu ando. Eu ando.
Eu seguro fósforos nas placas da rua
até escurecer,
tão escuro quanto os mortos rijos
e eu tenho perdido meu Ford verde,
minha casa nos subúrbios,
duas pequenas crianças
sugadas como pólen pela abelha em mim
e um marido
que tem enxugado seus olhos
de forma a não me ver às avessas
e vou caminhando e procurando
e não é um sonho
apenas minha vida oleosa
onde as pessoas são álibis
e a rua é infindável para uma
vida inteira.
Derrubar as sombras –
não me importo!
tranque a porta, piedade,
apague o número,
arranque a placa da rua,
o que pode interessar,
o que pode interessa para este patim barato
quem deseja possuir o passado
que foi embora num barco morto
e deixou-me apenas com um papel?
Não era lá.
Eu abri meu livro de bolso,
como uma mulher faz,
e fisguei pra lá e pra cá
entre os dólares e o batom.
E retirei, um a um
e atirei todos nas placas da rua,
e atirei meu livro de bolso
no Charles River.
Em seguida descartei o sonho
e o joguei contra o muro de cimento
do mal-feito calendário
Eu vivo,
minha vida,
e arrastando cadernos de notas.
45 Mercy Street
In my dream,
drilling into the marrow
of my entire bone,
my real dream,
I’m walking up and down Beacon Hill
searching for a street sign -
namely MERCY STREET.
Not there.
I try the Back Bay.
Not there.
Not there.
And yet I know the number.
45 Mercy Street.
I know the stained-glass window
of the foyer,
the three flights of the house
with its parquet floors.
I know the furniture and
mother, grandmother, great-grandmother,
the servants.
I know the cupboard of Spode
the boat of ice, solid silver,
where the butter sits in neat squares
like strange giant’s teeth
on the big mahogany table.
I know it well.
Not there.
Where did you go?
45 Mercy Street,
with great-grandmother
kneeling in her whale-bone corset
and praying gently but fiercely
to the wash basin,
at five A.M.
at noon
dozing in her wiggy rocker,
grandfather taking a nap in the pantry,
grandmother pushing the bell for the downstairs maid,
and Nana rocking Mother with an oversized flower
on her forehead to cover the curl
of when she was good and when she was…
And where she was begat
and in a generation
the third she will beget,
me,
with the stranger’s seed blooming
into the flower called Horrid.
I walk in a yellow dress
and a white pocketbook stuffed with cigarettes,
enough pills, my wallet, my keys,
and being twenty-eight, or is it forty-five?
I walk. I walk.
I hold matches at street signs
for it is dark,
as dark as the leathery dead
and I have lost my green Ford,
my house in the suburbs,
two little kids
sucked up like pollen by the bee in me
and a husband
who has wiped off his eyes
in order not to see my inside out
and I am walking and looking
and this is no dream
just my oily life
where the people are alibis
and the street is unfindable for an
entire lifetime.
Pull the shades down -
I don’t care!
Bolt the door, mercy,
erase the number,
rip down the street sign,
what can it matter,
what can it matter to this cheapskate
who wants to own the past
that went out on a dead ship
and left me only with paper?
Not there.
I open my pocketbook,
as women do,
and fish swim back and forth
between the dollars and the lipstick.
I pick them out,
one by one
and throw them at the street signs,
and shoot my pocketbook
into the Charles River.
Next I pull the dream off
and slam into the cement wall
of the clumsy calendar
I live in,
my life,
and its hauled up
notebooks.
Cantada por Peter Gabriel, eis Mercy Street:
2 comentários
Obrigada pela postagem, super bem cuidada e com um tema tão delicado e profundo. Eu não conhecia a ligação desta canção do Peter Gabriel com os versos de Anne Sexton. Na verdade, foram os versos dela que o despertaram para a criação dessa música tão linda! Temos um pouco de nosso país no triângulo. Uma música profundamente tocante. Grata.
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