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Um homem que dorme, Bernard Queysanne

16:45 Unknown 0 Comentários Categoria :


Queysanne diretor de língua francesa que nasceu em Rabat no Marrocos (território francês), já trabalhou para a televisão com ficção e documentário. Sua filmografia tem lista longa, porém pouco divulgada aqui no Brasil.

O longa é baseado no livro homônimo de Georges Perec, um homem sem nome que faz uma imersão em um estado de dormência e transparência, optando por um meio termo ou termo nenhum. Ele se isola em seu quartinho apertado em Paris. Cambaleando de vez em quando como um gato pingado excluso de qualquer emoção, por conta de sua escolha por uma filosofia apática.

Na ambientação do quarto, uma pintura de Magritte, “ Not to be reproduced” em que há um homem na frente de um espelho, um livro sobre  a parte superior de uma lareira, o livro é refletido normalmente no espelho, enquanto que a figura do homem não, ele apenas pode ver a parte de trás de sua cabeça. Neste início é criada uma atmosfera onírica, em que o homem se vê levantando da cama, arrumando-se, vai até sua faculdade, cumpre com sua rotina. Mas o que é mostrado é que este homem que realiza isto é como um gêmeo, não é real. A realidade é que ele próprio continuou em casa, sem sair. É notória uma espécie de relação implícita estabelecida entre a narração e a pintura, o gêmeo que faz tudo que o homem não faz. Uma consciência dupla, como é dito no longa.

A história é narrada em 3ª pessoa por uma voz sutil de mulher. Quanto ao homem, não ouvimos sua voz em nenhum momento. A trilha sonora é exclusivamente instrumental e utilizada somente nos momentos mais incisivos. De resto, só os sons da cidade, das árvores chacoalhando.  Quanto à movimentação e aos planos, são executados de maneira amena e bela. A fotografia é feita de um clássico preto e branco quieto e morno.

Então somos encantados com paisagens caladas ou ruidosas, prédios, ruas vazias com árvores magras e tristes. Acompanhamos as saídas noturnas deste homem que apenas vagueia sem intenções. Vai até uma ponte, fuma sozinho, mira o horizonte.  E a bela voz narra seus sentimentos, ou melhor, seus não-sentimentos, já que escolheu seguir uma natureza ausente de escolhas. Seu comportamento assemelha-se à filosofia dos céticos, seguindo assim o que esta corrente de pensamento chama de Afasia (ato de abster-se de julgar).

É como uma negação da vida, mas ele continua dentro dela. Sem causa e efeito. E o mundo continua a acontecer, sem ele. O que lhe aconteceu, ninguém sabe. “Porque alguma coisa se quebra, altera-se, se desfaz, e a verdade aparece à luz do dia, tão triste e ridícula como o chapéu de burro.”  Então ele nada espera, nada pretende.  Apodera-se de uma neutralidade espiritual e social. Acredita ter encontrado a medida certa de continuar arrastando sua existência no mundo.

Mas eis que me veio à cabeça uma frase de um espetáculo teatral que fui uma vez: “Há pior solidão que ausência de si mesmo?”  E satisfatoriamente esta questão é elucidada no final do filme. É posto à tona as consequências de escolher a estagnação, a falta de sentido em abraçar uma posição letárgica indefinida.

É sim uma obra-prima, mas que não atende todos os públicos, claro. Um estilo de narrativa sem diálogos ou interações. Porém um prato cheio para quem ama esta respectiva linha. 


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