Um homem que dorme, Bernard Queysanne
Queysanne diretor
de língua francesa que nasceu em Rabat no Marrocos (território francês), já
trabalhou para a televisão com ficção e documentário. Sua filmografia tem lista
longa, porém pouco divulgada aqui no Brasil.
O longa é
baseado no livro homônimo de Georges Perec, um homem sem nome que faz uma imersão em um estado de dormência e transparência,
optando por um meio termo ou termo nenhum. Ele se isola em seu quartinho
apertado em Paris. Cambaleando de vez em quando como um gato pingado excluso de
qualquer emoção, por conta de sua escolha por uma filosofia apática.
Na
ambientação do quarto, uma pintura de Magritte, “ Not to be reproduced” em que
há um homem na frente de um espelho, um livro sobre a parte superior de uma lareira, o livro é
refletido normalmente no espelho, enquanto que a figura do homem não, ele
apenas pode ver a parte de trás de sua cabeça. Neste início é criada uma
atmosfera onírica, em que o homem se vê levantando da cama, arrumando-se, vai
até sua faculdade, cumpre com sua rotina. Mas o que é mostrado é que este homem
que realiza isto é como um gêmeo, não é real. A realidade é que ele próprio continuou
em casa, sem sair. É notória uma espécie de relação implícita estabelecida
entre a narração e a pintura, o gêmeo que faz tudo que o homem não faz. Uma
consciência dupla, como é dito no longa.
A história é
narrada em 3ª pessoa por uma voz sutil de mulher. Quanto ao homem, não ouvimos
sua voz em nenhum momento. A trilha sonora é exclusivamente instrumental e
utilizada somente nos momentos mais incisivos. De resto, só os sons da cidade,
das árvores chacoalhando. Quanto à
movimentação e aos planos, são executados de maneira amena e bela. A fotografia
é feita de um clássico preto e branco quieto e morno.
Então somos
encantados com paisagens caladas ou ruidosas, prédios, ruas vazias com árvores
magras e tristes. Acompanhamos as saídas noturnas deste homem que apenas
vagueia sem intenções. Vai até uma ponte, fuma sozinho, mira o horizonte. E a bela voz narra seus sentimentos, ou
melhor, seus não-sentimentos, já que escolheu seguir uma natureza ausente de
escolhas. Seu comportamento assemelha-se à filosofia dos céticos, seguindo assim
o que esta corrente de pensamento chama de Afasia (ato de abster-se de julgar).
É como uma
negação da vida, mas ele continua dentro dela. Sem causa e efeito. E o mundo
continua a acontecer, sem ele. O que lhe aconteceu, ninguém sabe. “Porque alguma
coisa se quebra, altera-se, se desfaz, e a verdade aparece à luz do dia, tão
triste e ridícula como o chapéu de burro.”
Então ele nada espera, nada pretende.
Apodera-se de uma neutralidade espiritual e social. Acredita ter
encontrado a medida certa de continuar arrastando sua existência no mundo.
Mas eis que
me veio à cabeça uma frase de um espetáculo teatral que fui uma vez: “Há pior
solidão que ausência de si mesmo?” E satisfatoriamente
esta questão é elucidada no final do filme. É posto à tona as consequências de
escolher a estagnação, a falta de sentido em abraçar uma posição letárgica
indefinida.
É sim uma obra-prima, mas que não atende todos os públicos, claro. Um estilo de narrativa sem diálogos ou interações. Porém um prato cheio para quem ama esta respectiva linha.
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