Teorema, de Pasolini
Baseado no livro homônimo de Pasolini, ''Teorema'' advoga a
relação entre dinheiro e vazio, uma crítica à sociedade burguesa.
O longa conta a história de uma família da burguesia
italiana, que recebe a chegada de um visitante misterioso, que acaba seduzindo
membro por membro da família, até mesmo a empregada.
A fotografia bem característica do fim dos anos 60 e início
dos 70, a movimentação de câmera de Pasolini bem sutil, os planos se encaixam
em uma ideia de lentidão, mesmo que paradoxalmente os eventos aconteçam tão
repentinos.
O visitante se vai de maneira súbita, como uma tempestade
efêmera, mas com efeitos permanentes. Toda a família é abalada. Todos se vêem inebriados na aura libertadora
que aquele homem os deu. Após sua ida, o visitante parece ter deixado pregado
dentro de cada um a frase latejante ''Torna-te quem tu és!'', como na filosofia
de Nietzsche.E então, os desejos imbuídos de cada um, as verdadeiras
personalidades e inspirações camufladas pelo falso véu burguês, vem à
tona.
O filme é essencialmente político e psíquico. E emerge a
linha que liga os dois termos. É um trabalho carregado de simbolismo, passível
de mais de uma interpretação. É como puxar um pequeno fio de uma roupa, e de
súbito perceber que o fio não só se torna maior, como vão surgindo outros fios
soltos.
É uma percepção intrínseca sobre a decadência
existencial causada pela política do padrão de vida burguês. É fácil afirmar
isto com certeza, pois Pasolini tinha ideias comunistas, e era diretamente
ligado com a causa do social. Inclusive, cada membro da família no longa,
representa uma instituição da sociedade.
Nos filmes dele, vemos todas as nuances de sua arte juntas
em um só lugar. Sentimos ali o teatro, a poesia, a crítica social, e a beleza
de cada fotograma no cinema. Isso tudo porque o mestre foi poeta, autor de peças maravilhosas no teatro, e um
grande cineasta.
Ao decorrer do longa, sempre temos as mesmas imagens de um
local desértico e terroso, com ventos de poeira, que invadem algumas partes do
filme, de maneira aleatória. Fiquei me
perguntando durante o longa o que significariam aquelas mesmas imagens que
surgiam randomicamente. Não era para marcar a passagem do tempo, nem para separar
uma cena de outra, e já estava começando a pensar que era meramente estético,
mas ao final, quando temos o chefe da família em colapso, o pai, e ele se
encontra em um local público, então começa a se despir, a câmera focaliza suas canelas e pés nus, e
de repente ao caminhar ele saí deste local público e pisa no mesmo terreno
árido daquelas imagens, caminha sobre este chão, e o plano abrange ele despido
e o horizonte vazio e montanhoso, então cambaleando
nu e desprotegido ele grita. Aquela superfície terrestre simboliza a nossa
natureza. O conhecimento da nossa própria natureza. A psicologia intensa nesta
cena me impressionou profundamente. Ali está o homem, despido pela verdade,
gritando o sofrimento de ter encontrado a si mesmo, como um cachorro que vê sua
imagem no espelho pela primeira vez. Este é o homem, que torna-se quem ele é, e
sofre. Se vê louco por ter se descoberto. Grita porque abriu a caixa de pandora
do seu próprio ser.
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