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Sylvia Plath: O trágico e o voraz em três poemas

09:33 Igor Damásio 0 Comentários Categoria : ,



Oh, os poetas! Sempre os poetas! O trágico os acossa feito uma brisa abrasadora de veraneio, aquela ao qual parece coçar a nossa alma, fazer-nos querer despir todas as nossas vestimentas. Imaginem só, trinta anos, uma mulher ainda sorridente, ferida toda a sua vida por inúmeras situações, deitar sua cabeça, em uma madrugada inglesa tão gélida que mal pode sentir os dedos dos pés, para dentro de um forno e esperar, esperar, esperar, até que, finalmente, recebesse o aperto de mão da morte.

Sylvia Plath assombra-me a medula óssea. Seus poemas confessionais contados, geralmente, em forma de metáforas para ilustrar situações em sua vida fustigam-me com medo e admiração. Seus poemas-porrada ecoam um grito escabroso de fúria e dor, fúria e dor. A vasta obra de Sylvia Plath não só incluem poemas, mas sim um romance intitulado A Redoma de Vidro e diversos contos contidos numa espécie de coletânea, Zé Susto e a Bíblia dos Sonhos.

Abaixo, deixo três poemas de sua última coletânea organizada em vida, Ariel - ao qual deixou sobre uma mesinha antes de seu suicídio e seu ex-marido, Ted Hughes, um dos catalisadores para que sua morte precoce ocorresse, a publicou, numa edição esdrúxula ao qual não respeitava a ordem dos poemas e censurava o leitor por serem bem íntimos, e denegrir a imagem do próprio, claro. Entretanto, só em 2004, Ariel ganhou um relançamento por sua filha, Frieda, respeitando a ordem de Sylvia.

A tradução é de Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo, edição restaurada e bilíngue da editora Verus.

O Carcereiro

Meus suores noturnos lubrificam seu café da manhã.
O mesmo aviso de neblina azul posicionado
Com as mesmas árvores e lápides.
Isso é tudo de que ele é capaz,
Com seu guizo de chaves? 
Fui drogada e estuprada.
Sete horas nocauteada e fora de mim
Dentro de um saco preto
Onde relaxo, feto ou gato,
Alavanca de seus sonhos molhados. 
Alguma coisa sumiu.
Minha cápsula de dormir, meu zepelim azul e vermelho
Me solta de uma altitude terrível.
Carapaça esmagada,
Me estico até o bico dos pássaros. 
Oh, pequenas brocas -
Quantos furos já possui esse dia de papel!
Ele me queima com pontas de cigarros,
Fingindo que sou uma negra com patas cor-de-rosa.
Sou eu mesma. Mas não basta. 
A febre goteja e endurece meu cabelo.
Minhas costelas aparecem. O que tenho comido?
Mentiras e sorrisos.
Claro que o céu não é daquela dor,
Claro que a relva deve estar ondulando. 
O dia todo, colando minha igreja de fósforos queimados,
Sonho só com outro alguém.
E ele, por esta subversão
Me fere, ele
Com seu arsenal de simulações, 
As máscaras altas e frias de sua amnésia.
Como cheguei aqui?
Criminosa indefinida,
Morro com variedade infinita -
Enforcada, faminta, queimada, pendurada. 
Eu o imagino
Impotente como um trovão distante,
Em cuja sombra provei minha ração fantasma.
Quem dera ele fosse embora ou morresse.
O que é, parece, uma impossibilidade. 


Ser livre. O que fariam as trevas
Sem febres para devorar?
O que faria a luz
Sem olhos para apunhalar, o que ele
Faria, faria, faria sem mim.

A Lua e o Teixo

Esta é a luz da mente, fria e planetária.
As árvores da mente são negras. A luz, azul.
Gramados descarregam suas mágoas em meus pés como se eu fosse Deus,
Arranhando meus tornozelos, murmurando sua humildade.
Névoas vaporosas e espirituais habitam este lugar
Separado de minha casa por uma fileira de lápides.
Simplesmente não posso ver onde vão dar.

A lua não tem porta. É uma face em seu pleno direito,
Branca como os nós dos dedos, terrivelmente incomodada.
Arrasta o mar atrás de si como um crime sujo; está quieta,
A boca aberta em total desespero. Moro aqui.
Duas vezes aos domingos os sinos assustam o céu —
Oito grandes línguas afirmam a Ressurreição.
E no final, sobriamente, badalam seus nomes.

O teixo aponta para o alto. Tem forma gótica.
Os olhos se elevam e encontram a lua.
A lua é minha mãe. Não é doce como Maria.
Suas vestes azuis libertam pequenos morcegos e corujas.
Se eu ainda acreditasse na ternura —
O rosto da efígie, suavizado por velas,
Derramando, sobre mim, seus olhos meigos.

Tenho caído pelo caminho. Nuvens florescem
Azuis e místicas sobre a face das estrelas.
Na igreja, os santos serão todos azuis,
Flutuando sobre bancos frios com delicados pés,
Suas mãos e faces duras de santidade.
A lua não vê nada disto. É calva e selvagem.
E a mensagem do teixo é escuridão — escuridão e silêncio.

A Chegada da Caixa de Abelhas

Encomendei esta caixa de madeira
Clara, exata, quase um fardo para carregar.
Eu diria que é um ataúde de um anão ou 
De um bebê quadrado
Não fosse o barulho ensurdecedor que dela escapa.

Está trancada, é perigosa.
Tenho de passar a noite com ela e
Não consigo me afastar.
Não tem janelas, não posso ver o que há dentro.
Apenas uma pequena grade e nenhuma saída.

Espio pela grade.
Está escuro, escuro.
Enxame de mãos africanas 
Mínimas, encolhidas para exportação,
Negro em negro, escalando com fúria.

Como deixá-las sair?
É o barulho que mais me apavora,
As sílabas ininteligíveis.
São como uma turba romana,
Pequenas, insignificantes como indivíduos, mas meu deus, juntas!

Escuto esse latim furioso.
Não sou um César.
Simplesmente encomendei uma caixa de maníacas.
Podem ser devolvidas.
Podem morrer, não preciso alimentá-las, sou a dona.

Me pergunto se têm fome.
Me pergunto se me esqueceriam
Se eu abrisse as trancas e me afastasse e virasse árvore.
Há laburnos, colunatas louras, 
Anáguas de cerejas.

Poderiam imediatamente ignorar-me.
No meu vestido lunar e véu funerário
Não sou uma fonte de mel.
Por que então recorrer a mim?
Amanhã serei Deus, o generoso – vou libertá-las.

A caixa é apenas temporária.

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