Delta de Vênus #1: Maiorca
Numa sociedade onde as ondas da moralidade quebrantavam-se violentamente contra a mulher, Anaïs Nin, uma escritora franco-cubana, nascida em 21 de fevereiro de 1903, foi a voz ao qual fez o mar volta-se num perfeito refluxo. Até hoje muitos falam de sua posição, não a considerando uma artista propriamente dita, mas uma obra de arte. E, indubitavelmente, a personagem de Anaïs Nin, uma mulher contra seu tempo, cavalgando impetuosamente sempre com uma haste pontuda e exterminando os esteriótipos impostos pela moralidade para ofuscar a sexualidade humana e os seus inúmeros comportamentos, é uma perfeita obra de arte moldada por si só num diário com mais de 250 mil folhas, ao qual guardava no cofre do banco mais próximo.
Maiorca é o quinto conto de Delta de Vênus, livro reunindo uma série de contos. E, talvez, o conto ao qual mais admiro. Na narrativa deliciosa de Anaïs, contada em primeira pessoa, a personagem vai à ilha de Maiorca. Histórias rondam sobre a ilha próximo ao mosteiro; histórias sobre as mulheres de Maiorca, "inacessíveis, puritanas, muito religiosas." A atmosfera em Maiorca, logo vemos, é uma emaranhado de moralidades que constituem uma repressão, talvez a causa da inacessibilidade das mulheres, dos maiôs enquanto se banham e das meias pretas que deveriam incomodar muito o banho no lagos; a repressão, se para com as mulheres de Maiorca era extensa de modo ao qual eles até evitavam o banho, para com as europeias, os pescadores as tratavam como se fossem nudistas, e os banhos de meia-noite das americanas eram considerados sem-vergonhice.
Maria era uma sonhadora que tateava os seus inebriantes sonhos enquanto pulava de pedra em pedra, com seu vestido branco, observando o esplendor do luar refletido na água tão transparente que, durante o dia, "era possível visualizar os recifes de coral e a vegetação ao fundo." Um convite intoxicante para Maria é feito para nadar com a misteriosa estrangeira que possui um sotaque espanhol, dizendo ser Evelyn, possivelmente uma nadadora. E não resistindo, adentrou-se no mar, nua, deixando o vestido branco sobre uma pedra, compreendendo as delícias do banho noturno. Evelyn, com sua touca de banho, nadou à seu encontro. Ambas logos começaram uma brincadeira, ao qual uma transpassava por debaixo da perna da outra; logo, Evelyn, de encontro com as costas de Maria, a envolveu por trás, ao qual permitiu com que a jovem sentisse algo, algo que a fez perceber que não era Evelyn, mas sim um menino, ao qual se identificou como o irmão de Evelyn. O pênis ereto a tocava entre as pernas, pulsando, pulsando.
O envolvimento era cálido, o abraço do irmão de Evelyn era tão acolhedor para a jovem Maria! Por mais que tentasse escapar, por mais que tentasse volta-se contra o seu desejo de deixá-lo, percebia que o mesmo era apenas o seu catalisador que permitia sentir o desejo de ficar, sentir-se acolhida e envolvida pelo braço do irmão de Evelyn. Mas Maria nadou contra o mar, tentando, tentando escapar dele. O rapaz a alcançou na areia e a possuiu, enquanto as ondas quebrantavam-se sobre eles, brandamente; o sangue que jorrava era o sangue de uma virgem, o prazer e a liberação absolutos. Ambos, noite após noite, encontravam-se e faziam amor, tornando-se o mar à medida que o mesmo movia-se terno.
"Quando eu ia à praia de noite imaginava sempre que seria capaz de vê-los, nadando, fazendo amor."
O uso da androginia em Anaïs Nin é recorrente; em Artistas e Modelos, por exemplo, outro conto presente em Delta de Vênus, é apresentada Mafouka, personagem com traços andrógenos e também hermafrodita; em Elena, a personagem andrógena chama-se Leila. Anaïs, nitidamente, lida com os seus temas, embora polêmicos para a sociedade ao qual vivia, de modo natural, elucidando que o prazer e a beleza pode encontram-se na diversidade. Em Maiorca, o prazer também encontra-se também no proibido, aquilo que não pode ser visto. A linguagem que dissolve na boca e embriaga todo o corpo, as descrições magníficas da natureza e dos corpos tocando-se, a perfeição do toque entre ambos e os efeitos que causam ao leitor um prazeroso efeito de satisfação ao findá-lo.
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