As Brasas, de Sándor Márai
‘’Porque um segredo como o que existe entre mim e você tem
uma força singular. Uma força que queima o tecido da vida como uma radiação
maligna, mas ao mesmo tempo dá calor à vida e a mantém neste estado de tensão.
Obriga-nos a viver... O homem vive enquanto tem alguma coisa a fazer nesta
terra. ’’
Minha avó é alemã, mas meu bisavô era húngaro. Como já tenho
contato intenso com a cultura alemã, em literatura e cinema, decidi que deveria
mergulhar também na cultura húngara, para conhecer melhor a pátria de onde meu
bisavô veio. Comecei pela literatura. Foi então que tive este encontro bonito
com ‘’As brasas’’ do húngaro Sándor Márai.
Márai é de Kassa, que hoje é denominada Kosice, atual
Eslováquia. Nasceu em 1900. Viveu o período das duas guerras mundiais,
escrevendo livros que foram aclamados na Hungria nestes tempos. Era um homem com opiniões políticas fortes,
sempre se posicionando contra a ditadura e falta de liberdade. Tendo se exilado
várias vezes em países diferentes por conta disso. Assolado pelas guerras que presenciou, mas
também pelas guerras que aconteciam em seu próprio peito, sem carta de
despedida, suicidou-se em 1989, com um tiro de revólver na cabeça.
O léxico de ‘’Brasa’’
diz que é aquilo que foi exposto por altas temperaturas, que fica em
estado rubro, antes de se tornar cinzas. Sinônimo de brasa é angústia, aperto e
ansiedade. Portanto, este título define bem o que acontece com os personagens
deste livro. A história retrata o período do império austro-húngaro, um velho
general, seu amigo que era como um irmão e a figura de uma mulher já morta que
paira sobre a vida e os segredos mergulhados nestes dois. O livro é dado histórico sobre a
aristocracia húngara e seu modo de vida. Também temos retratos da primeira
guerra mundial, assim como da segunda.
Trata-se de Henrik e Konrad, amigos desde a infância, que
ficaram lado a lado até a vida adulta, mas a amizade e fraternidade rompem-se no
dia em que Konrad aponta uma arma para o amigo, não comete o ato, porém em seguida
foge, vai embora para sempre. Krisztina, mulher de Henrik, também se afasta
após a ida de Konrad. Tudo nos leva a crer que as duas pessoas mais importantes
na vida deste general, estavam o traindo ao mesmo tempo, um com o outro. Então temos um triângulo, em que nenhuma das
vidas envolvidas consegue se firmar longe da outra. Uma simbiose. Ainda sim, as
três vidas se separam depois do ocorrido daquela fatídica noite. E questões nunca resolvidas e palavras não ditas
fumegam no peito dos três por anos e anos. Uma parte desta geometria morre, as
outras duas continuam vivas, afastadas e assombradas pelas memórias e
indagações. Até que quarenta e um anos depois, estas duas partes se encontram,
estes dois homens, já velhos e cansados, mas como se o tempo nunca tivesse
passado, estão então no mesmo castelo da Hungria onde passaram tantas noites,
tantos jantares e conversas inteiras. O que acontece quando chega o momento da
sua vida? O momento pelo qual você sempre esperou? A verdade pela qual
continuou vivendo, a sede da resposta que lhe calará para sempre? É sobre este instante, uma longa conversa
sobre tudo, sobre a derradeira frase, o abrir da tumba de segredos, paixões e
ódios inflamáveis.
Apenas 164 páginas, que para mim foram como 600. É um livro
vida. É como se você estivesse sentado no centro do mundo, no centro de você
mesmo, no meio de todas as questões humanas, com todas as sensações e cheiros,
e sons, e choros, e verdades e ilusões, e beleza e feiura, o coração ávido
quase explodindo em palpitação e no final uma epifania, uma calmaria.
''Os homens contribuem para o próprio destino, determinam
certos fatos que vão acontecer com eles. Chamam o destino, apertam-no contra si
e não se separam mais dele. Agem desse modo mesmo sabendo desde o início que esses
atos terão resultados nefastos. O homem e seu destino se realizam
reciprocamente, moldando-se um no outro. Não é verdade que o destino se
introduz às escondidas em nossa vida: entra pela porta que nós mesmos
escancaramos, pondo-nos de lado para convidá-lo a entrar. Na verdade não há
criatura suficientemente forte e inteligente para saber afastar com palavras e
fatos, o destino infausto que, segundo uma lei implacável, deriva de sua índole
e de seu caráter.''
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