O Mundo Vivente, de Eugène Green
Green é norte-americano, naturalizado
francês desde 1976. É dramaturgo e cineasta, e fundou uma companhia de teatro
na França, onde aborda a técnica de teatro barroco e declamação.
Este seu longa é de 2003, a história é centrada no
Cavaleiro do leão, que parte em uma jornada para encontrar e matar o ogro que
aprisionou uma dama em uma capela na floresta, e com isso, ganhar o coração da
dama.
Quanto à fotografia, digo que é belíssima, com filtros limpos e suaves. Ora pendendo para cores realistas e nubladas, ora emanando cor dourada por influência de velas. Em algumas cenas, temos um bonito jogo de luz e sombra, e há outras em que o sol vespertino se abate sobre tudo em pequenos pontos de luz.
A narrativa de Green é carregada de
simbolismo. Temos o leão, que é companheiro do cavaleiro, mas que na verdade é
um cão, que por algumas vezes ruge. Temos o cavaleiro que usa roupas modernas,
ao invés de armaduras. Pode ser visto superficialmente como um mero filme
inocente, fantasioso, mas ali se encontram metáforas sobre a vida. O filme é de
brilhante originalidade tanto em sua proposta, quanto na atuação das
personagens. No longa, reina a importância da palavra. Somos movidos por elas,
amaldiçoados por elas, abençoados, aprisionados, libertos, e enlaçados por
elas. Green certamente não é um cineasta artaudiano. Para afirmar o tesouro que
é a palavra, suas personagens não possuem muita expressão facial, e seus
olhares são quase sempre perdidos ou rigidamente parados, como que em uma
hipnose. Não há preocupação com riqueza de movimento, há um potencial de
inércia nos rostos e corpos. Em contrapartida, há uma bela e poética eloquência
em suas bocas, em tudo o que dizem. Eugène Green nos traz o sublime
cinema-teatro. Em que tudo acontece como em um espetáculo sem palco.
A direção de imagens é puro lirismo.
É usado o plano-detalhe em demasia, câmera focando sempre os pés dos
personagens, e também as mãos. As cenas em que há contato entre as mãos dos
atores, são de todas, as mais intensas e que eternizam a poética do filme
inteiro. Há também os planos fixos que
nos atentam para a beleza quieta da paisagem, do verde, das folhas que se movem
devagar.
Acho interessante a iniciativa de
devoção para com a importância da palavra, por estar vindo da sétima arte, por
conta da mesma beber da fonte dos sentidos visuais. A palavra nos diz quem
somos, ou nós mesmos nos autonomeamos com elas, consciente ou
inconscientemente, sendo verdade ou mentira. Dizem inclusive que amamos com as
mesmas palavras que odiamos. Há um poder místico nelas. A palavra é contradição,
tradição e ruptura. Ela é corpo e alma, é vida. Sendo ditas ou não ditas, elas
permeiam nossa mente, e podem mudar tudo em apenas segundos.
No entanto, apesar de as palavras
nos complementarem pela ausência de expressões marcantes nos personagens, ainda
sim, Green nos torna atuantes em seu longa, com um subjetivismo que nos é dado
para que possamos refletir e mergulhar nesta floresta, nos
corações dos personagens e perceber como realmente se sentem, e descobrir mais
do que é mostrado, tocar no âmago disso tudo. Isto é o que mais amo em todo o cinema
com características vanguardistas, fazer de nós muito mais do que espectadores.
Porque afinal, nós também somos cinema.
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