Harmony Clean Flat Responsive WordPress Blog Theme

O Mundo Vivente, de Eugène Green

17:39 Unknown 0 Comentários Categoria :


Green é norte-americano, naturalizado francês desde 1976. É dramaturgo e cineasta, e fundou uma companhia de teatro na França, onde aborda a técnica de teatro barroco e declamação.
Este seu longa é de 2003, a história é centrada no Cavaleiro do leão, que parte em uma jornada para encontrar e matar o ogro que aprisionou uma dama em uma capela na floresta, e com isso, ganhar o coração da dama.

Quanto à fotografia, digo que é belíssima, com filtros limpos e suaves. Ora pendendo para cores realistas e nubladas, ora emanando cor dourada por influência de velas. Em algumas cenas, temos um bonito jogo de luz e sombra, e há outras em que o sol vespertino se abate sobre tudo em pequenos pontos de luz.

A narrativa de Green é carregada de simbolismo. Temos o leão, que é companheiro do cavaleiro, mas que na verdade é um cão, que por algumas vezes ruge. Temos o cavaleiro que usa roupas modernas, ao invés de armaduras. Pode ser visto superficialmente como um mero filme inocente, fantasioso, mas ali se encontram metáforas sobre a vida. O filme é de brilhante originalidade tanto em sua proposta, quanto na atuação das personagens. No longa, reina a importância da palavra. Somos movidos por elas, amaldiçoados por elas, abençoados, aprisionados, libertos, e enlaçados por elas. Green certamente não é um cineasta artaudiano. Para afirmar o tesouro que é a palavra, suas personagens não possuem muita expressão facial, e seus olhares são quase sempre perdidos ou rigidamente parados, como que em uma hipnose. Não há preocupação com riqueza de movimento, há um potencial de inércia nos rostos e corpos. Em contrapartida, há uma bela e poética eloquência em suas bocas, em tudo o que dizem. Eugène Green nos traz o sublime cinema-teatro. Em que tudo acontece como em um espetáculo sem palco.


A direção de imagens é puro lirismo. É usado o plano-detalhe em demasia, câmera focando sempre os pés dos personagens, e também as mãos. As cenas em que há contato entre as mãos dos atores, são de todas, as mais intensas e que eternizam a poética do filme inteiro.  Há também os planos fixos que nos atentam para a beleza quieta da paisagem, do verde, das folhas que se movem devagar.

Acho interessante a iniciativa de devoção para com a importância da palavra, por estar vindo da sétima arte, por conta da mesma beber da fonte dos sentidos visuais. A palavra nos diz quem somos, ou nós mesmos nos autonomeamos com elas, consciente ou inconscientemente, sendo verdade ou mentira. Dizem inclusive que amamos com as mesmas palavras que odiamos. Há um poder místico nelas. A palavra é contradição, tradição e ruptura. Ela é corpo e alma, é vida. Sendo ditas ou não ditas, elas permeiam nossa mente, e podem mudar tudo em apenas segundos. 

No entanto, apesar de as palavras nos complementarem pela ausência de expressões marcantes nos personagens, ainda sim, Green nos torna atuantes em seu longa, com um subjetivismo que nos é dado para que possamos refletir e mergulhar nesta floresta, nos corações dos personagens e perceber como realmente se sentem, e descobrir mais do que é mostrado, tocar no âmago disso tudo. Isto é o que mais amo em todo o cinema com características vanguardistas, fazer de nós muito mais do que espectadores. Porque afinal, nós também somos cinema. 


POSTAGENS RELACIONADAS:

0 comentários