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Buffalo '66, de Vincent Gallo

19:25 Igor Damásio 0 Comentários Categoria :



Billy Brown é um jovem adulto que calça botas vermelho-sangue e veste uma jaqueta preta, à punk britânico The Clash, que acaba de ser liberto, após cinco anos atrás das grades, e sente vontade de mijar. Perdido feito cego em tiroteio na extensa cidade de Buffalo, oeste de Nova York, percorre por todos os locais possíveis para arrancar de si o insensato desejo de tirar a água do joelho; a mulher o impede de mijar atrás de seu carro; o homem arrogante do café não o deixa fazê-lo por lá, pois encontra-se fechado, embora não há placa presa na porta indicando, apenas a sua arrogância e falta de empatia não tão impressionante. A esmo, entra em uma escola de dança, ao lado da lanchonete do homem arrogante, onde há meninas sapateando sob o assoalho de madeira na aula de sapateado. Ao pensar ter encontrado o mictório perfeito, sua vontade é abafada pelo homossexual gordo e chato que, anelante, encara descaradamente o pênis de Billy e, como se ainda não bastasse tal coisa, comenta o tamanho do mesmo.

Buffalo já não é uma cidadezinha tão agradável, a imagem de sonolência e não movimento evidenciam isso. Não há subterfúgio para o personagem principal, pois nem os seus pais parecem mais importar-se com ele, visto que durante todos os anos houve uma grande omissão enquanto estava preso, fazendo-os pensar que vivia no maior trejeito American Way Of Life - uma casa, uma garota, um bom emprego e talvez até cachorros ou gatos ou filhos. Vincent Gallo, com os seus cabelos revoltos, encaracolados e a sua face defasada carregando melancolia e aversão retrata bem o rapaz solitário e desassossegado com o mundo e a atmosfera que parece ser fétida feito coco de gato.

Caminhando por uma estrada divergente à Billy, eis que emerge a doce personagem interpretada por Christina Ricci, Layla. A jovem aparentemente é uma moça comportada, reprova o rapaz após esbarrar-se com ele no corredor do banheiro próximo ao orelhão enquanto o mesmo xingava o homossexual abusado. E logo após receber um altivo "vá se foder" de Brown como resposta à reprovação, o empresta uma moeda para ele fazer uma ligação. Layla é moldada à partir daí, uma moça inocente, leite, que se atrai pela postura jogada e aversiva do antiherói Billy Brown. E enquanto o mesmo papeia ao telefone com a sua mãe sobre sua vida, contando mentiras e mentiras desvairadas e matutando uma visita à casa dos pais, a jovem cochicha do banheiro, toda a conversa, não tão longe do orelhão.

Seus argumentos não convencem sua mãe, que deseja ver sua mulher. Seu desespero torna-se denso.
E quando ele avista uma oportunidade bem à sua frente de poder jogar na cara dos pais como anda sua vida, ele a agarra. Billy sequestra a jovem Layla para obrigá-la fingir ser a sua mulher durante a visita à casa de seus pais, tendo que fingir também sua identidade como uma tal de Wendy Balsam. Layla, deixando ser levada pelo rapaz feito uma onda, sem galgar contra o ritmo da maré em nenhum minuto, mesmo naqueles em que tem a opção de fugir a toda velocidade quando param no meio da estrada e o aguarda com as mãos sob o volante enquanto ele finalmente a mija em uma árvore, visita os pais de seu sequestrador. Logo é notável uma repulsa à Billy por parte dos pais. A importância maior de ambos fixa-se nos Buffalos, o time de futebol americano. Para agravar ainda mais o quadro, o modo de se comportar intolerante do pai de Billy emana asco e nos dá uma concreta impressão de que não houve amor naquela casa para com ele, mas a obrigatoriedade de cuida-lo até a maioridade. É em tal ocasião que sua a história é aprofundada - uma criança limitada aos prazeres - e vemos a formação do anti-herói e os motivos que o levaram a tornar-se um tal. Embora amedrontada com a reação dos pais quanto ao filho, Wendy Balsam triunfa nas mentiras, mesmo que ninguém esteja dando ouvidos à ela, apenas ao jogo.

Em um telefonema de Billy com seu amigo de longa data, Goon, que agora já não gosta mais ser intitulado como Goon, pois não é um idiota, mas sim Rocky, o durão, mesmo ainda morando com os pais e tendo um hamster de estimação e usando óculos engraçados - garantindo assim um ar grotesco e patusco ao personagem -, o jovem pede para que Rocky informe o telefone de um tal de Woods, o ser que o pôs na cadeia por cinco anos e arruinou com sua vida. Não conseguindo o que deseja de Goon, ou Rocky, apenas a informação de que o mesmo atualmente possui um bar de strip "onde as mulheres tiram as roupas", Billy, alvoroçado pelo irônico fato de que o seu escudeiro fiel se recusou a ajudá-lo, decide caçar por si só o telefone e o paradeiro de Woods.

Antes de ir à missão suicida para matar Woods, Billy carrega Layla ao boliche e mostra que ainda é o melhor. As cenas de Layla e Billy no boliche tornam-se apaixonantes; em detrimento à mesa estão a arrogância do rapaz e a ternura da jovem, que se mostra afeiçoada e indiferente para com seus maus tratos, embora acusando-o de ser chato e dando línguas e sapateando com uma afetação açucarada. Em toda história a vida de Layla não é contada, não há cortinas abrindo-se para que nós possamos saber como a personagem se relaciona com a sua família, deixando-nos curiosos para saber quem é a personagem tão enigmática que faz o nosso anti-héroi apaixonar-se, notável na cena posterior ao boliche, onde encontram, enquanto esperam, respectivamente, chocolate quente e água, pois Billy possui o infortúnio de ter alergia à chocolate, a verdadeira Wendy Balsam com um indivíduo, fato que deixa Layla com ciúmes à ponto de mandá-lo se foder e ele voltar e dizer de maneira embaraçada que sente muito.

Encontram um pequeno hotel onde há uma banheira para banhar-se e esperar o tempo passar até que Billy faça o seu dever suicida de matar o homem que o pôs atrás das grades para assistir o sol nascer quadrado e incidir em seu rosto sob formas cilíndricas. Ali está o subterfúgio, sob os olhos de Layla, mesmo ainda resistindo algumas vezes. Sob a cama, suas mãos encontram-se como numa história de amor qualquer; logo, os lábios se tocam e retraem-se, em seguida, encolhidos em uma redoma só, caem no sono. Quando Brown acorda, já não há muito o que dizer ou lamentar, sua decisão de "comprar um café" fazia-se presente no amago de seu ser. Ela pediu um chocolate quente e, antes de partir, um abraço e, assim que a porta se fechou, um "eu te amo."

Quando Billy decide finalmente puxar a arma de sua calça uma epifania abrupta o acomete. Se o fizesse, haveria uma boa possibilidade de não ser nada para ninguém, pois ninguém se lembraria dele a não ser Layla, as pernas encolhidas de frio na cama o esperam trazer chocolate quente. Não haveria nada de bom a ser lembrado, nunca teria sido amado. Sente-se apaixonado por tudo a sua volta, sente-se disposto a ser algo para alguém. Aliás, foi a sua escolha meter-se em tal furada. E se talvez não fosse pela mesma, jamais terminaria a última frase do capítulo de sua vida com um revés inesperado até para si mesmo. E que se foda o que há de vir: tem a garota, tem o carro, o cafezinho quente para bebericar ao lado de Layla enquanto a mesma se deleita com uma rosquinha em forma de coração acompanhado com chocolate quente, tem o resto da noite e até 11:00 da manhã para abandonarem o hotel de U$29,99 - mais os impostos, U$34, 50.

 Em uma entrevista à um programa de TV Britânico, Vincent Gallo rebateu as críticas de quem o intitulou ser "autoindulgente" e defendeu sua tese de que não há o cinema independente, apenas filmes bons e filmes ruins - embora atualmente achando-se na lista dos melhores filmes independentes já feitos. As experiências retratadas no filme de Gallo não são autobiográficas, mas Billy Brown carrega em si um pouco do diretor. A narrativa torna-se peculiar devido a beleza exótica dos personagens, o modo como Layla parece não importar-se em ir com Billy, seu sequestrador, e como o mesmo fica aos pés de Layla à medida que em o amor pela moça permite-o render-se e livrar-se das amarras do orgulho e da aversão. Não há como pausar o famoso efeito dominó que é a vida, mas torna-se evidente, em Buffalo '66, que há escolhas que podem levar-nos a desatar ramificações, outros caminhos melhores do que a autodestruição - no caso de Vicent Gallo, a arte; já em Billy Brown, o amor.



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